sábado, dezembro 23, 2006

Ali é que é

Eu to bem na minha altura, dividido pelas flores através dos impulsos iconoclastas que chegam por receptores biológicos que me foram dados sem que eu pedisse. No natal é o tipo de coisa que acontece, na tevê e nos canais infantis se ouve falar em "salvar o natal", quando o bom velhinho tá em apuros, mas ninguém salvou o menino Jesus de nascer ao lado de bosta de vaca, saído de uma vagina que sequer tinha o hímen rompido. Saiu como uma menarca, cheio de sangue - e se foi como uma menarca aos dezesseis anos, um alívio. Uma menarca aos dezesseis anos é um alívio. Uma menarca sem camisinha é um alívio, se isso sequer faz sentido.

Minha cabeça pesa uma tonelada de amor, tenho que empurrar tudo pra baixo [ou pra cima?], uso quem sabe as pás americanas do Burroughs. Mas Burroughs não fala de amor. Ele fala de conta-gotas, de junk, de agulhas, de viagens e de iagê. Ginsberg fala de amor, mesmo sentindo o iagê e a erva no sangue, isso não é impossível, Bill. O Kerouac fala de tudo num só gole, e o impressionante é que isso é muito bom.

Meu corpo pesa uma tonelada de saudade, o Ginsberg fala de saudade. Eu sinto saudade do Ginsberg, sendo que no ano em que ele morreu [no ano que o Bill também morreu], eu jogava meu super nintendo, despreocupado com as palavras, se elas ferem ou não. Eu não tinha palavras, tinha imagens e sons, alguns jardins e uma flor que achava que era flor, mas na verdade era asfalto. Me pegaram em flagrante ao final disso, desisti de expor meus amores plenos ao asfalto, tudo por conta da alfabetização de quem limpa o chão. Mas tudo se supera, tenho a flor e as flores, e sobre a flor me sou claro e esclarecido, porém não sobre as flores. Qual é a delas? FOTOSSÍNTESE? Então são úteis pregadas na terra. Já eu, sou util... nunca, eu acho que não sou útil.

Então acho que.

sexta-feira, outubro 27, 2006

A serra e suas vicissitudes sem seiva

Já vejo a serra!
de árvores velhas deitadas no chão
que fere o céu qual fosse trovão
Já vejo a serra!
maculada e enferrujada do orvalho
seu ritmo quebrado em cada galho
Já vejo a serra!
e o canto pássaro desesperado
"ai grata, grata mas marra afagada!"
Já vejo a serra!
subo sem sapatos e espeto os pés
desço sem pés nem passos, através
Já vejo a serra!
que tenta subir comigo e desaba
já vejo a serra - e não vejo nada.

quinta-feira, agosto 31, 2006

Termo Diva

Ao que tudo indicava estava mesmo doente – estava em seu dourado sangue. Havia contraído mais uma dessas doenças sexualmente transmissíveis, mas nunca ouvira falar desta: “parece que chama Davi”. Fumou um pouco e ganhou algumas toneladas. Centenas de dias depois foi a um hospital: seu desejo sexual havia voltado e não podia copular com uma doença daquelas, tão asquerosa e inflacionária. “Temor de Davi”, era o que ela dizia. “Oh sim, já existem médicos para este tipo de doença. Gin é ecologista e ele sabe dessas coisas”.

Saiu do hospital exclamando sem davi nem temor que ecologistas Paulo necessários.

segunda-feira, julho 17, 2006

Sobre sabores, flores e amores

Quando eu era pequeno
girava no parque ouvindo às flores
"bem-me quer, malmequer?"
e aos bemtevis
"bem-te-vi!"
um conjunto florido
malquerido e malvisto
e as náuseas vinham das amorosas
tão saboras.

Mais saborosas as bocas jovens
mais quando, além da carne
há sangue que ferve
e que vem do coração em amor
"bemtevejo e bemtequero"

dois formam um conjunto florido
e as náuseas vêm dos ameus
tão cores.

quinta-feira, junho 08, 2006

Promessa de Baile

Aqui pra ela, ó.

Promessa de Baile
Por Afonso Roberto

Bela bailarina, desliza no palco
Arranca louvores de toda a platéia
Melhor dos remédios, salaz panacéia
A tua tenra tez, alva como talco

As tuas madeixas, lianas da Hiléia
São estonteantes, o mais puro álcool
Animam defuntos do frio catafalco
Refazem a forma da velha Pangéia

Por ti meu desejo só cresce, não cessa
Aquece e degela a mais gélida essa
Assim, bailarina, no final da peça
De ti me despeço com uma promessa

Prometo sincero, jamais vacilante
Levar-te ao inferno, delírio de Dante
Entre labaredas, erguer-te rompante
E então devolver-te ao mundo dançante

terça-feira, abril 25, 2006

One nest...

One nest rolls after another
Until there are no longer
Any birds
One tongue lashes another
Until there are
No words
I love
Fails no birds

Don Van Vliet [Captain Beefheart]

quinta-feira, março 16, 2006

Clandestino

Coisa velha pra caralho!

Clandestino

Já é noite e ainda inquiro-me sobre os feixes de luz que há pouco enchiam o aposento; tão belos! Atravessavam livremente essas janelas que me cercam e refletem a essência do próprio eu. Rara já é a luz. E a mente, traiçoeira, que se recusa a trabalhar harmoniosamente: “dane-se Jung e suas idéias sobre a plenitude do ser!” – cospe. “Ó, Super-homem, obra platônica do digníssimo Zaratustra, queime no inferno!” – ainda insiste. “Encheram-me de falsas esperanças tais utopias. Meras calhordices escritas entre quatro paredes espelhadas!”.

Se a indiferença que agora me pressiona outrora foi prevista e explicada em obra qualquer, que venham as santas palavras! Mostrem-me as sendas da dita plenitude, se assim o é! Pois a meus pulmões – ou seria a meu coração? - fora amarrada uma corda de injusto descaso, e como doeu quando apertaram aquele nó! Abruptamente, fazendo-me gemer como um porco agonizante e humilhando-me a cair de joelhos.

Não mais leio os desgraçados autógrafos, todos despidos de calor, em ausência do astro essencial que nos apresenta a Senhora Manhã e, após esbanjar de toda a imponência do firmamento, nos brinda com a Mãe Noite. Está sumido o sol. É noite.

Impulsos próprios de consolação tentam me convencer de que a dor é simples passageira. Afinal, o que não o é? A própria vida é temporária, passageira; e passa ligeira! Quisera eu poder sentir-me feliz sem antes passar pelos desertos da tristeza. Quisera eu poder passar cada segundo desta vida com um sorriso verdadeiro e contagioso. Ah! como sonho... e sequer preguei os olhos.

Agora vejo água descendo pelas janelas e se arrastando dolorosamente por meu semblante desgastado. Está a chover, estou a chorar. Covarde lágrima que não se agüentou e desceu rolando pelas encostas do amor; e rola sem pressa! Apenas a esperar que o astro essencial ostente-se imponente novamente e, com um sorriso dos mais quentes, evapore-a.

domingo, fevereiro 05, 2006

domingo, janeiro 29, 2006

A língua girava no céu da boca

"A língua girava no céu da boca. Girava! Eram duas bocas, no céu único.

O sexo desprendera-se de sua fundação, errante imprimia-nos seus traços de cobre. Eu, ela, elaeu.

Os dois nos movíamos possuídos, trespassados, eleu. A posse não resultava de ação e doação, nem nos somava. Consumia-nos em piscina de aniquilamento. Soltos, fálus e vulva no espaço cristalino, vulva e fálus em fogo, em núpcia, emancipados de nós.

A custo nossos corpos, içados do gelatinoso jazigo, se restituíram à consciência. O sexo reintegrou-se. A vida repontou: a vida menor."

Carlos Drummond de Andrade