Dia primeiro de abril e a mentira era eu mesmo. Tinha virado homem, desses que se submetem à constituição. Meu pai entrou no quarto enquanto eu me ocupava sentando em frente à janela, vendo a rua nascer e morrer.
- Ê, moleque. Parece que ontem eu te vi nascer.
Trazia uma caixa nas mãos. Disse que era meu presente de aniversário.
- Você já é homem feito, já pode beber. Abre.
A caixa escondia uma garrafa grande, uma de nãoseiquantos litros.
- A melhor garrafa de desgosto que se pode comprar. Você pode abrir ela hoje à noite no jantar, a gente bebe de tira-gosto.
- Acho melhor não.
- Os anos passam, mas não o egoísmo, hein? Você quem sabe. Mas vê se bebe com moderação, não quero filho viciado.
Saiu do quarto do jeito que entrou – pela porta. Olhei a garrafa e guardei pra depois.
***
Trinta e sete anos depois, no enterro do mesmo.
- Você ficou sabendo do que o menino morreu, Glória?
- Parece que foi de desgosto. Deve ter visto a mulher com outro, no mínimo.
O defunto levantou-se da cova e gritou:
- Foi de cirrose, sua vaca obsoleta.
sábado, fevereiro 16, 2008
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